terça-feira, 24 de abril de 2012

Raposa não pega urubu - Currículo

Raposa não pega urubu...                         
          Rubem Alves



O galinheiro estava em polvorosa. Cocorocós de galos, cacarejos de galinha, tofracos de angolinhas, pios de pintinhos – tudo se misturava num barulho infernal. É que todos haviam sido convocados para uma assembléia para tratar de um assunto de grande importância qual seja, o fato de que vários ovos de um ninho terem sido comidos por um ladrão. E as pegadas eram inconfundíveis: o ladrão era uma raposa. Com um sonoro cocoricocó o galo Chantecler, pediu silêncio, expôs o problema e franqueou a palavra.
Encarapitado no galho de uma goiabeira um galinho garnizé cantou estridente, sacudiu a crista para um lado e a barbela para o outro e se pôs a discursar. Era o Mundico, que viera de uma cidade grande e era formado em sociologia. . Ele adorava discursar. “Companheiros”, ele começou, “peço a sua atenção para as ponderações que vou fazer acerca da crise conjuntural em que nos encontramos. Charles Darwin foi o primeiro a mostrar que a história dos bichos é marcada pela luta de classes: os mais fortes devoram os mais fracos. Os leões comem os veados, os lobos comem os cordeiros, os gaviões comem as pombas, as raposas comem as galinhas. Os mais aptos sobrevivem; os outros morrem. Assim, a crise conjuntural em que nos encontramos nada mais é que uma manifestação da realidade estrutural que rege a história dos bichos. E o que é que faz com que as raposas sejam mais aptas do que nós? As raposas são mais aptas e nos devoram porque elas detém o monopólio de um saber que nós não temos. Somente nos libertaremos do jugo das raposas quando nos apropriarmos dos saberes que elas têm. E como se transmitem os saberes? Através da educação. Sugiro então que empreendamos uma reforma em nossos currículos e programas. Se, até hoje, nossos currículos e programas ensinavam aos nossos filhos saberes galináceos, de hoje em diante eles ensinarão saberes de raposa.
Primeiro, teremos de educar os nossos olhos para que eles passem a ver como vêem as raposas. Onde é que as raposas tem os seus olhos? Na frente do focinho. E os nossos olhos, onde estão? Do lado. Educaremos os nossos olhos para que eles aprendam a olhar para frente. Segundo: teremos de re-educar o nosso andar. Raposas andam com quatro patas. Por isso valem o dobro que nós, que só temos duas patas. Como transformar duas patas em quatro? É simples. Por meio de um processo de adição. Nós, galinhas e galos, bípedes, passaremos a andar aos pares, um na frente, outro atrás, o de trás segurando o traseiro do que vai à frente, e assim seremos quadrúpedes. Terceiro: as raposas têm pêlos enquanto nós temos penas. Teremos de nos livrar de nossas penas para que no seu lugar cresçam pêlos. E os nossos rabos, ridículos uropígios, estimulados pelos pêlos, se alongarão para trás e se transformarão em rabos de raposa. Quarto: as raposas têm focinhos e nós temos bicos. Mas, o que é um focinho? Focinho é uma coisa sem bico. Ora, bastará então que extraiamos os nossos bicos para termos focinhos como as raposas. Assim, pela educação, nos apropriaremos dos saberes das raposas, espécie que por tantos milênios nos tem dominado. Será, então, o advento da liberdade!”

Mundico se calou. Todos estava biquiabertos com a sua eloquência. Todos o aplaudiram. E todos concordaram com o seu projeto educacional. Galos e galinhas arrancaram umas às outras as suas penas e, peladas, aguardavam o crescimento dos pelos. Por meio de exercícios apropriados movimentavam seus olhos para que eles aprendessem a olhar para a frente. Desbicaram-se, lixando seus bicos em pedras ásperas. E andavam, como Mundico dissera, aos pares, um na frente e outro agarrado atrás...
Mas parece que o curriculo de raposa não deu resultado. A raposa continuou a comer ovos dos ninhos e chegou mesmo a devorar um pintinho distraido. Começaram, então, a imaginar que ela tivesse também devorado o Sesfredo, um galo velho de pescoço pelado, vermelho, e que cantava com sotaque caipira e que desaparecera.
Convocou-se então uma outra assembléia para discutir providências a serem tomadas, ante o fracasso do curriculo proposto por Mundico. Toda a população do galinheiro compareceu. E, para surpresa de todos, até mesmo o Sesfredo, que tomou lugar num galho de uma árvore muito alta, onde nenhum galo ou galinha jamais fora. “A gente pensava que você tinha sido devorado pela raposa”, cantou o Godofredo, forte galo índio. “Que nada”, disse Sesfredo. “É que me internei no spa do Urubuzão prá fazer uma reciclagem de vôo. Urubu é ave como nós. Mas raposa não come urubu. Raposa não come urubu porque urubu sabe voar. Raposa come galos e galinhas porque desaprendemos o uso de nossas asas....”
Nesse momento uma angolinha que ficara de sentinela deu o alarme: “ Aí vem a raposa, aí vem a raposa, aí vem a raposa...” Foi o pânico, correria, cada um correndo para um lado. Mas ninguém sabia voar. A raposa, valendo-se da confusão, abocanhou uma galinha garnizé, já depenada e desbicada...
Todo mundo entrou em pânico. Menos o o Sesfredo. Lá de cima ele abriu as asas e voou alto, muito alto, até parecia um urubu... Assim é: ave que sabe voar não há raposa que consiga pegar...
***
Esta fábula me apareceu quando ouvi uma pessoa justificando os currículos de nossas escolas dizendo que eles contém os saberes das classes dominantes a serem aprendidos pelas classes dominadas.
Rubem Alves, educador, contador de estórias. Acaba de lançar dois CDs de estórias para crianças e adultos, musicadas: “Quatro Estórias” e “ Rubem Alves conta Estórias”. Informações e pedidos a www.rubemalves.com.br e www.ivanvilela.com .

Currículo, Poder e Sociedade


        A distância entre a teoria e prática

" (...) nesse caminho, focando a educação de jovens e crianças, por exemplo, assistimos a um diálogo surdo entre escolas e cotiano. Elementos importantes da cultura como  o movimento digital, tão presente na cultura jovem e infantil, aparecem em total ressonância com os métodos tradicionais que ainda imperam em grande parte de nosso ambiente escolar".(GUIMARÃES, 2011, P.63)

        Como obter uma proposta curricular que contenha os saberes clássicos do currículo, e as questões presentes no cotidiano? Como garantir uma unidade de currículo e  sem desconsiderar as diferenças culturais? Consideramos o currículo como um conjunto de atividades, conceitos, matérias capazes de permitir uma visão de mundo? Mas, que visão de mundo queremos considerar no currículo? Os saberes classícos ou as questões do cotidiano? Quais as RELAÇÕES  estão presentes no currículo?
        Diante de tantos questionamentos e reflexões, consideremos os saberes do sóciologo André Piatitat que coloca a interação do interior escolar com a ambiência social que a envolve:

"Sem dúvida a escola contribui para a reprodução da ordem social; Mas ela também participa de suas transformações, ás vezes intencionalmente, às vezes contra a vontade; e, às vezes, as mudanças se dão apesar da escola. É que se trata de uma ordem dinâmica, de grupos  de classes em mutação, de técnicas em permanente renovação e de culturas que se redefinem periodicamente" ( PETITAT, 1994, p.11)

         Podemos  considerar a escola como um espaço capaz permitir gerar novas visões do mundo, lugar capaz de permitir gerar culturas. Magalhães reforça esta reflexão:

"uma instituição escolar é uma complexidade espacio-temporal, pedagogica, organizacional, onde se relacionam elementos materiais e humanos, mediante papéis e representações diferenciados, entretecendo e projectando futuro(s), pessoais, através de expectativas institucionais. É um lugar de permanentes tensões. As instituições educativas são profectos arquitectados e produzidos a partir de quadros sócio-culturais" (MAGALHÃES, 1998, p.10)
Sob esse foco a sociedade confere ao currículo algumas responsabilidades, quando este torna um referencial do que deve ser ensinado, de como ensinar, a quem ensinar,  possibilitando ao currículo,  uma estreita relação de poder. Segundo Guimarães, reconhecer a escola como lugar de mudança sociais e criação identitária, reforça a necessidade de um curriculo mais sintonizado com a vida e com as diversidades culturais da humanidade.


Desterritorização da Escola

Antes de iniciar minha reflexão  sobre a desterritorização da Escola gostaria de compartilhar o que a Elizabeth Macedo, escreve sobre currículo de Ciência:

Na contemporaneidade, vimos sendo impactados por amplas modificações, tanto geopolíticas quanto econômicas. Vivemos momentos de uma verdadeira revolução tecnológica que tem criado possibilidades de comunicação em tempo real fora das limitações impostas pela distancia geográfica. Criam-se novos fluxos, novas relações e esvaem-se antigos vínculos. Ainda que a idéia de uma cultura mundial unificada seja fortemente questionável, é inegável que toda essa sorte de alterações vem mexendo com a vida cotidiana das pessoas. São incontáveis as transformações por que tem passado o dia-a-dia dos cidadãos comuns (MACEDO,  ANO p.119)

Baseando nessa citação, considerando a separação dos mundos que o aluno faz  “mundo vida e mundo escola,  vejo a necessidade de repensar o currículo que está posto para este o aluno. Entender o currículo escolar  é entender a relações que se estabelecem entre esses mundos. É considerar que aprendizagem acontece a todo momento e não somente no ambiente escolar.                                                                                   
 Ainda sobre esse foco vejo o professor como um mediador de conhecimentos, embora esse conhecimento não esteja restrito ao ambiente escolar e nem ao um currículo oficial. 
Segundo  Macedo, é impossível inventariar as culturas  representadas em uma escola genérica, em que  múltiplos saberes se fazem presentes. No entanto, ocomo considerar  a desterritorização da escola? Refletindo sobre essa pergunta considero que Guimarães e Gattoti consideram sobre a escola como espaço privilegiado de educação            
Para Guimarães  (2011), reconhecida a escola como espaço vivo de trocas e escolhas e, ainda, dinâmica quanto sua constituição social, faz-se necessário pensá-la como lugar de construção identidade; a escola reveza entre criar sua própria identidade e identidade de seus membros. Isso faz da escola um espaço de gerar novas leituras de mundo; lugar vivente  e dotado de capacidade geradora de cultura.
Para Gattoti (1992), se a escola é o lócus da educação ela deve torna-se o pólo irradiador da cultura não apenas para reproduzi-lá ou executar planos elaborados fora dela, mas para construir e elaborar cultura, seja ela cultural geral, seja  a cultura popular. 
   A escola é um complexo permeada por múltiplos  personagens.                       

Texto: Nascem os “ estudos sobre currículos”: as teorias tradicionais

De certa forma todas as teorias pedagógicas e educacionais são também teorias sobre o currículo. As diferentes filosofias educacionais e as diferentes pedagogias, em diferentes épocas, bem antes da institucionalização do estudo do currículo como campo especializado, não deixaram de fazer especulações sobre o currículo, mesmo que não utilizassem o termo.   
   O termo curriculum, no sentido que hoje lhe damos, só passou a ser utilizada em países europeus como França, Alemanha, Espanha, Portugal muito recentemente, sob influencia da literatura educacional americana.   
É precisamente nessa literatura que o termo surge para designar um campo especializado de estudos. Foram talvez as condições associadas com institucionalização da educação de massas que permitiram que o campo de currículo surgisse nos Estados Unidos, como um campo profissional especializado
O livro de Bobbitt, em 1918, foi considerado um marco no estabelecimento do currículo como um campo especializado de estudos. O livro escrito num momento crucial da história da educação  estadunidense num momento em que diferentes forças econômicas, políticas e culturais procuravam moldar os objetivos e as formas da educação de massas de acordo com suas diferentes e particulares visões. É nesse momento que se busca responder questões cruciais sobre as finalidades e os contornos da escolarização em massa.                         
Bobbitt propunha que a escola funcionasse da mesma forma que qualquer outra empresa comercial ou industrial. O modelo de Bobbitt estava claramente voltado para a economia. Sua palavra-chave era “eficiência”.   Bem antes de Bobbitt, Dewey tinha escrito um livro, no qual  ele estava mais preocupado com a  construção da democracia que com o funcionamento da economia.Ele  achava importante levar em consideração, no planejamento curricular, os interesses e as experiências das crianças e jovens.           
A influencia de Dewey, entretanto, não iria refletir da mesma forma que a de Bobbitt, na formação do currículo campo de estudos. A atração e influencia de Bobbitt devem-se provavelmente ao fato de que sua proposta parecia permitir à educação torna-se científica. Nesta perspectiva a questão de currículo se transforma numa questão de organização. O currículo é simplesmente uma mecânica.  Esse conceito dominou a literatura estadunidense sobre currículo até os anos 80. Numa perspectiva que considera que as finalidades da educação estão dadas pelas exigências profissionais da vida adulta, o currículo se resume a uma questão de desenvolvimento, a uma questão técnica.
O modelo de currículo de Bobbitt iria encontrar sua consolidação definitiva num livro de Ralph Tyler, publicado em1949. O paradigma estabelecido por  Tyler iria dominar o campo do currículo nos Estados Unidos, com influência em diversos países, incluindo o Brasil, pelas próximas décadas.    Com o livro de Tyler os estudos sobre currículo se tornaram decididamente estabelecidos em torno da idéia de organização e desenvolvimento.                                                                                                                             Tanto os modelos mais tecnocráticos, como os de Bobbit e Tyler, quando os modelos mais progressistas de currículo, como de Dewey,constituíram, de certa forma, uma reação ao currículo  clássico,  humanista, que havia dominado  a educação secundária desde sua institucionalização.                                                                                                                                O currículo clássico só pôde  sobreviver no contexto de uma escolarização secundária de acesso restrito à classe dominante. A democratização da escolarização secundária significou também o fim do currículo humanista clássico.                                                   

Políticas curriculares no foco das investigações

Edil V. Paiva, Rita de Cássia Prazeres Frangella, Rosanne Evangelista Dias
Resumo
ü  As políticas curriculares disseminadas nos últimos trinta anos no Brasil e no mundo fazem parte do contexto de globalização amplamente discutido pela literatura do currículo.
ü  É certo que o processo de globalização acarretam “consequências  sérias na transformação de ensino e aprendizagem” ( Burbules & Torres, 2004, p.13). Contudo as políticas curriculares não são afetadas pelas mesmas condições da globalização, pois guardam em si marcas  de sua singularidade produzidas por práticas, concepções, valores e intenções de vários sujeitos nos múltiplos espaços a que pertencem no contexto educacional e social.
ü  Bernstein (1996), analisando as influências do discurso da reforma, demonstra como a relação entre conhecimento/informação e a organização da produção na sociedade contemporânea cria uma ideia de mercado de conhecimento e de conhecedores, produzindo uma nova relação entre conhecimento e sujeitos.
ü  Essas alterações significativas na organização da produção e em sua relação com o conhecimento e informação levaram a um abandono ou marginalização dos propósitos sociais de educação (Ball, 2001, p.100)
ü  Para  Kellner (2004), o grande desafio é de compreender as relações entre o global e o local, observando a maneira como as forças globais influenciam e estruturam um número crescente de situações.
ü  Na relação entre macro e micro, global e local, Lingard (2004) destaca as medições, traduções e recontextualizações da políticas curriculares “ por culturas, histórias e políticas locais, como característica do processo de reestruturação educacional no qual estamos vivendo.
ü  Devemos pensar as políticas de currículos como resultado de um contínuo ciclo de políticas. Elas devem ser entendidas não apenas como produção de governos em seus mais diversos âmbitos, mas também como produção da cultura, “do embate de sujeitos, concepções de conhecimento, formas de ver, entender e construir o mundo” (Lopes, 2004ª, p.193)
ü  As políticas curriculares tratam tanto de propostas como de práticas, e que ambas devem ser analisadas em seu aspecto relacional. Desse modo, propostas e práticas, devem ser vistas como elementos da política curricular voltadas para seu objetivo principal: a constituição do conhecimento escolar, seja ele produzido para a escola ou pela escola (Lopes, 2004a, 2004b, 2004c). 

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Escolas

Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.

Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo.

Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.
Rubem Alves

Trajetórias

(...) Entendo que a escola é uma das responsáveis por facilitar o acesso ou até mesmo a descoberta dos alunos a outros saberes. Não cabe ao professor e a escola apenas o cumprimento de papéis. É necessário um concepção mais ampla de  currículo. Fiquei emocionada ao ouvir cada trajetória, ao imaginar os degraus da escada que cada colega já subiu ou já desceu na vida. Posso concluir que o  currículo  permitir questionamentos, é político, é sensível e aberto para discussões. (...)